Literatura infantil com protagonistas negros abre novos horizontes

A pesquisadora Luciana Bento fala sobre a diversidade de livros infantis com protagonistas negros e escritos por autores não brancos no mercado editorial brasileiro, na livraria...

Por Vale do Piancó -PB em 21/11/2021 às 07:00:20

A pesquisadora Luciana Bento fala sobre a diversidade de livros infantis com protagonistas negros e escritos por autores não brancos no mercado editorial brasileiro, na livraria Mega Fauna. - Rovena Rosa/Agência Brasil

Histórias e tradições

Os quebra-cabeças e os jogos de memória são construídos com elementos tradicionais de culturas africanas, como os adinkras – símbolos que remetem a conceitos e histórias. Segundo Evelin, o contato com essas referências ajuda as crianças a estabelecer a própria identidade. “Principalmente as crianças negras, que não se enxergam enquanto negras. Se tem uma criança com pele mais escura, tem aquela pequena discriminação que precisa ser trabalhada em sala de aula”, ressalta, a partir de sua experiência como educadora.

"O passado é uma forma de abrir a conversa com as questões do presente", relata em seu trabalho o historiador e escritor Allan da Rosa. “Pensar família, abrir o linguajar, viajar, mas com as unhas agarradas no tempo da molecada”, diz o autor, sobre os sentimentos durante o processo de construção do livro Zumbi Assombra quem?, publicado em 2017.

O livro surgiu da conversa com uma colega que teve dificuldade em contar a trajetória do líder quilombola Zumbi dos Palmares a um grupo de jovens em um festival literário. “Ela disse que a oficina tinha sido terrível, que ficou uma hora com a molecada, que falou de Zumbi. A molecada ficou com nojo, disse que zumbi era um cadáver que anda, que assombra. E ela não conseguia lidar com isso”, lembra.

A partir da provocação, Rosa resolveu trabalhar com fantasmas reais e imaginários que rodeiam crianças e adolescentes, mostrando como surgiu a ideia do livro. “Na hora, eu brinquei e disse que Zumbi assombra mesmo os fazendeiros, os racistas", disse o escritor, trazendo uma desconstrução do imaginário feito por filmes e jogos da cultura de massa.

De acordo com o autor, o diálogo com o público jovem não torna o livro necessariamente infanto-juvenil. “Eu o considero um livro para adultos e crianças, poroso. Cada linha ali tem uma razão, um pulso, que é ser lido em voz alta com a molecada ou com os coroas, nossas pessoas mais velhas. ”Para Rosa, o projeto é uma publicação para ser lida de forma compartilhada por duas pessoas, ritual que repetiu todos os dias durante a infância do filho, hoje com 14 anos.

Obras que extrapolam o racismo são fundamentais, na opinião de Luciana Bento. “Poder ver histórias em que as crianças negras têm famílias, sonhos, que não estão sofrendo, é muito importante nesse lugar que a gente esse encontra, e nesse espelho em que vivemos nossa realidade”, diz a pesquisadora.

A possibilidade de ser retratada passa até por coisas simples, como no caso de sua filha mais velha, Aisha, que tem 9 anos e gosta de encontrar o próprio nome, de origem africana, nas histórias que lê. “Meninas negras que são cientistas, que tem orgulho do seu cabelo, que fazem várias coisas e conseguem se ver como possibilidade de existência.” São horizontes que se abrem pelas várias histórias.

Livros que precisam, segundo Allan da Rosa, trazer os conflitos e contradições do mundo. “Não fugir das nossas contradições é uma marca da nossa ancestralidade, da epistemologia ancestral, da encruzilhada, a roda com a sua abertura. Muito mais do que uma linha que só vai para frente, do que o maniqueísmo. Eu vejo isso na nossa história estética”, diz o escritor.

Fonte: Agência Brasil

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