Porteiro de praia naturista reforça 'sensação de liberdade' no trabalho: 'depois de 5 minutos ninguém lembra que 'tá sem roupa'

Por Vale do Piancó -PB em 01/05/2022 às 07:32:25
Mesmo sem se considerar naturista, João se acostumou com a nudez em alguns momentos. No quintal de casa, ele vai até o varal apanhar as roupas limpas nu. Porteiro de praia naturista com farda que usa no trabalho

João Marcus/Arquivo pessoal

Quando o sol nasce, João Marcus Campelo, assim como outros trabalhadores, se prepara para o expediente do dia. Antes de sair de casa, se alimenta e se veste. Depois, parte em busca da carona que sempre se estende por 10 quilômetros de Jacumã até Tambaba, praia localizada no município do Conde, Litoral Sul da Paraíba. Já no local, o paraibano se despe das vestimentas e antigos tabus para trabalhar tomado pela "sensação de liberdade” que a primeira praia naturista do Nordeste pode proporcionar.

Esta é uma das reportagens de uma série que conta histórias curiosas e relatos do dia a dia de trabalhadores que atuam em funções não tão comuns para a maior parte da população. Neste Dia do Trabalho, celebrado neste domingo (1), esses profissionais contam as particularidades, qualidades e desafios de cada profissão. O g1 também conversou com um farmacêutico que trabalha com maconha para fins medicinais e um necromaquiador.

A rotina do porteiro é simples. Ele chega, varre a entrada da praia e vai para o biombo, onde tira as próprias roupas e orienta sobre como os visitantes devem se comportar.

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Ao contrário do que talvez seja mais comum de se imaginar, João não trabalha totalmente nu. Ele até tira as roupas com que sai vestido de casa. Mas, na cabeça, usa um boné. No tronco, um colete que cobre o corpo da barriga ao peito. Ambos de cor azul, semelhante ao tom do mar que vigia e, ao mesmo tempo, consegue contemplar. Todo o resto fica despido, inclusive o pensamento.

“Eu venho e coloco a minha farda (risos). Assim, eu trabalho nu, mas a gente tem uma fardinha, tipo um boné de identificação e uma espécie de colete. O resto do corpo é nu, mas tem essa fardinha”, explicou com risada tímida.

No trabalho, João não tem vergonha de ficar nu. Com convicção, sentencia para si e também para os outros:

“Depois de cinco minutos, ninguém lembra que 'tá sem roupa”.

Passar o dia inteiro sem roupa fez até com que o porteiro se acostumasse. “Em casa, quando tem roupa no varal, vou buscar nu”, confessou.

Por outro lado, ainda sente um certo desconforto em algumas situações do dia a dia.

“A gente vê muita gente sem roupa, nua. É lotado. Quando você volta pra casa e vê o pessoal vestido é uma sensação estranha. São horas trabalhando com todo mundo nu. É muito doido isso”, disse também aos risos.

Portaria da Praia de Tambaba

Jhonathan Oliveira

Com o círculo mais íntimo de convivência, o estranhamento parecia ser um pouco ainda maior antes do trabalho na praia, quando ele frequentava o local com amigos por lazer.

“Na praia, a gente ficava super a vontade. Quando chegava em casa, olhava e pensava: "eita, não colocou a roupa ainda". Mas só que tava todo mundo nu um pouco antes”, recordou ao mesmo tempo em que se divertia com a lembrança contraditória.

Agora, ele orienta os visitantes sobre como não sentir vergonha, pelo menos enquanto estiverem com os pés na areia da praia de Tambaba.

"A gente conversa com os mais tímidos, que estão com vergonha. A gente diz que não tem nada de mais, é um local tranquilo. Tem muito isso da pessoa com vergonha do corpo. Mas é muito bacana porque acaba sendo um local de autoaceitação. As pessoas que têm vergonha, tiram a roupa e ficam tão à vontade”, comemora.

O que é preciso e como é ser porteiro de uma praia naturista?

Ser um dos porteiros de Tambaba não era o ideal profissional de João. Na verdade, a profissão que deixa os olhos dele brilhando tem algo em comum com a que assume diariamente na portaria: ensinar e orientar.

Ele é professor de português, mas está sem emprego na área. Por isso, trabalha com correções textuais e na portaria da praia naturista, onde conseguiu uma oportunidade.

Ele e mais dois colegas venezuelanos são autônomos e trabalham como diaristas em um esquema de rodízio. Há cerca de um mês, também havia uma mulher para dividir a função. Mas ela deixou o cargo após conseguir uma vaga efetiva em um hotel na mesma região.

Área reservada para a prática naturista na Praia de Tambaba, no Litoral Sul da Paraíba

Francisco França/Jornal da Paraíba/Arquivo

Nos períodos de veraneio, a demanda do trabalho é diária. Já nas épocas de baixa estação, a média de expediente é de três diárias por semana.

Nenhum dos três porteiros atuais se considera naturista. O título, inclusive, não é um requisito para ser selecionado.

Para ele, foi necessária apenas uma entrevista, conduzida pela presidente da Sociedade Naturista de Tambaba (Sonata), quando também foi apresentado para ele a história da praia. Depois um teste, em que precisou abordar homens sozinhos e explicar as condições em que eles poderiam permanecer no espaço.

O que faz um porteiro de praia naturista?

A praia de Tambaba tem duas áreas, sendo uma destinada para pessoas vestidas com trajes de banho e a outra para a prática do naturismo.

No espaço para pessoas vestidas, não há entradas demarcadas por fronteiras. Já na área naturista, sim. E elas são naturais, formadas por rochas e areia. Em cada um delas, existem placas com as regras para visitação.

João trabalha, geralmente, na entrada principal. Ele é responsável por recepcionar os visitantes e explicar as regras para permanecer no local. Entre as principais normas estão:

Homem sozinho não pode entrar, a menos que seja surfista ou associado à Sonata;

Menores de idade só podem entrar acompanhados dos pais ou responsáveis;

É exigida a nudez total;

Não é permitido tirar fotos ou fazer vídeos, a menos que sejam feitas em locais isolados;

E, por último, mas não menos importante, aproveitar a praia.

Praia de Tambaba, na Paraíba, tem duas áreas divididas por uma formação rochosa com vegetação: uma destinada ao naturismo e outra onde usar roupa ou não é opcional

Marco Pimentel/PBTur

Durante o expediente – que dura oito horas por dia – o porteiro fica na entrada e a cada uma hora faz uma ronda até o fim da praia. Durante essa vistoria, ele costuma verificar se está tudo dentro dos conformes. Outra tarefa é observar se há alguém nas trilhas que dão acesso à praia.

Em cerca de um ano e meio de trabalho, ele nunca precisou ser mais incisivo sobre as regras com algum visitante. Mas recorda que colegas já precisaram até pedir reforço policial.

“Não é comum, mas já aconteceu”, pontuou.

O único problema que João costuma lidar é que alguns visitantes ainda costumam entrar com roupa na praia. Mas logo o impasse é resolvido com uma breve conversa.

Praia de Tambaba tem campeonato de surf naturista

Roberto Guedes/Secom-PB

Quebra de tabus e a "sensação de liberdade" no trabalho

João mora no distrito de Jacumã, no Conde, desde o ano de 2014. Embora não se considere naturista, antes se trabalhar como porteiro de Tambaba, ele frequentava a praia com amigos, que são adeptos da prática. Mas nem tudo era natural para ele.

“Tinha muito tabu, eu achava estranho. Eu tinha e tenho. Existe uma ideia na cabeça das pessoas que é estranho. As pessoas entram e quando descem as escadas no local de tirar a roupa, travam, não descem e voltam. É muito forte essa indumentária da roupa. É difícil algumas pessoas entenderem o naturismo como uma prática”, comentou.

É justamente a possibilidade de construir essas reflexões a parte favorita do trabalho para João.

“O que eu mais gosto aqui talvez seja uma certa ideia de questionamento de tabus. Uma certa sensação de liberdade. É muito abstrato dizer que isso é um exemplo de liberdade na vida de uma pessoa. É bom poder problematizar o tabu social em volta da necessidade da roupa”.

É na vivência com os outros, que ele usufrui também do prazer que outras pessoas desfrutam de estar na praia. Sem hesitar, ele diz com convicção:

"Estou feliz aqui".

Por outro lado, lembra que não está em condições ideais de trabalho.

“Infelizmente sou fruto das diversas punições que o país atravessa, como uma precariedade relativa do trabalho. É massa [o trabalho] porque estamos desempregados. Mas gostaria de trabalhar com o que eu sempre quis, ser professor de português”, explicou.

No fim do mês, a parte financeira também influencia. Por enquanto, as gorjetas dadas pelos visitantes ajudam no complemento das despesas.

Praia de Tambaba, na Paraíba, reúne prática naturista e paisagem encantadora; na imagem, a área em que a nudez é opcional

Eduardo Fechine

Tambaba é a primeira praia oficializada como naturista do Nordeste

Conhecida por ser a primeira praia oficializada como naturista do Nordeste, Tambaba também se classifica com uma das praias mais belas da Paraíba.

São as falésias, a água quentinha e o mar com cor de esmeralda que tornam o local atrativo aos visitantes, além dos passeios, vegetação, culinária e o surfe praticado no local. A praia, que fica a 35 quilômetros de João Pessoa, faz parte de uma área de proteção ambiental (APA) e é considerada uma das mais limpas da Paraíba.

A praia também possui um coqueiro que nasceu em uma pedra localizada dentro do mar, e se tornou uma das atrações do local, principalmente para quem gosta de fotografar.

Por ser uma praia naturista, Tambaba é dividida em dois lados. O que separa as duas áreas é uma escada que leva os praticantes do naturismo a uma recepção, onde são apresentados às regras do local, dentre elas, a não autorização de tirar fotos.

Restaurantes e bares fazem parte da praia e oferecem aos visitantes uma culinária tipicamente nordestina, a base de frutos do mar, além de dispor de mesas e guarda-sóis.

Já para quem curte praticar esporte na praia, o surfe predomina em Tambaba. Além disso, a praia sedia o único campeonato de surfe naturista do mundo.

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