Dia Nacional da Caatinga: um dos biomas mais importantes do país sofre com a devastação crônica

Por Vale do Piancó -PB em 28/04/2022 às 11:51:36
Professor da Universidade Federal da Paraíba alerta que bioma já ocupou 11% do território nacional, mas que está reduzido atualmente a "pequenas ilhas". Ainda assim, segue sendo de riqueza imensurável. Região de Caatinga no município paraibano de São João do Tigre

Bartolomeu Israel de Souza

O título "Caatinga" é até curioso, mas guarda uma importância vital. Trata-se da “floresta tropical sazonalmente seca de maior diversidade do mundo”. Com inúmeras espécies nativas que só são encontradas em seus limites. Que já ocupou 11% do território nacional, numa área que ia do Maranhão até o Norte de Minas Gerais, e que já foi responsável por 2/3 do território paraibano. Um dos biomas mais importantes do mundo, mas que historicamente é muito negligenciado. E que por isso foi drasticamente reduzido ao longo dos anos com desmatamentos e queimadas. Pois é para lembrar de tudo isso e para alertar para a necessidade de mudar esse cenário tão preocupante de devastação contínua, que se definiu a data de 28 de abril como o Dia Nacional da Caatinga.

De acordo com o professor Bartolomeu Israel de Souza, de 57 anos, que é do Departamento de Geociência da Universidade Federal da Paraíba e estudioso da área de biogeografia, a área de Caatinga existente no Brasil faz dela a “maior floresta seca do mundo”, mas infelizmente possui atualmente “poucas áreas preservadas”.

Mesmo assim, ele atesta toda a riqueza que ainda existe nesse bioma, nas “pequenas ilhas” de Caatinga que ainda restaram no país e que guardam mais de 100 espécies nativas já catalogadas, como aroeiras, angico, baraúna e umbuzeiro:

“O pouco que sobrou, ainda é de uma riqueza tremenda”, declara Bartolomeu.

Bartolomeu Israel de Souza, professor da UFPB e estudioso em biogeografia

Bartolomeu Israel de Souza/Arquivo Pessoal

Ele explica que existem características na Caatinga, como o fato de ser uma zona seca dentro de uma área tropical, que fazem desse bioma único, fonte de forte curiosidade e mesmo encantamento da comunidade internacional.

“A Mata Atlântica e a Floresta Amazônica são tudo zonas úmidas. Mas a Caatinga é zona seca, dentro de uma área tropical. Quando as pessoas leem sobre isso, ficam fascinadas. Porque foge à regra”, prossegue.

A ação humana na devastação do bioma, aliás, fica evidente quando o professor destaca que o que restou de Caatinga na Paraíba está localizada em áreas de serra ou perto de lajedos. “Nos locais de mais difícil acesso da população, onde existe dificuldade de praticar a agropecuária”, resume.

Ele deixa claro, no entanto, que não dá simplesmente para culpar a população local, mas que é preciso analisar de forma geral todo um sistema que cerca o bioma, localizado em grande parte no semiárido nordestino.

“É importante criar emprego e renda para essa população para que ela não dependa totalmente dessas áreas para sobreviver. Nessa parte do Brasil, no Nordeste, tudo se mistura. Não tem como desassociar a questão do desmatamento com a falta de qualidade de vida, com o desemprego, com as questões políticas locais”, lamenta.

Desmatamento da Caatinga brasileira em 1986 (foto da esquerda) e em 2019 (foto da direita): quase toda a área já sofreu algum tipo de interferência

MapBiomas Brasil

Problema estrutural grave

O professor Bartolomeu Israel de Souza é taxativo quando fala dos problemas que cercam a degradação da Caatinga. “Recuperar é um processo caro. Sairia muito mais barato preservar do que recuperar”, defende.

Isso, juntado à falta de interesse político na preservação, e o problema está posto. Principalmente porque a recuperação seria um processo lento e que, por vezes, não é eleitoralmente interessante para os políticos locais.

O problema é que o bioma está localizado em região seca, com pouca incidência de chuva ao longo do ano, o que torna tudo mais difícil. A partir daí, começa um efeito cascata que vai ter como consequência o agravamento da seca.

Bartolomeu explica todo o processo. De acordo com ele, quando se retira a cobertura vegetal de uma área, as nascentes localizadas nas proximidades começam a secar, extinguindo-se os olhos d"água. Isso gera, como consequência, um aumento vertiginoso do processo de erosão, que por sua vez vai levar sedimentos para dentro dos açudes, assoreando-os e deixando-os mais rasos. Nos períodos de chuva, mesmo que esses açudes encham completamente, eles, estando mais rasos, deixam de ter reserva suficiente para os longos meses de estiagem, gerando o problema de seca crônico que se percebe principalmente no interior do Nordeste.

“Se a lei fosse seguida, toda margem de rio, toda borda de açude, deveria ser preservada. Isso infelizmente não acontece”, denuncia Bartolomeu, ressaltando que tudo isso gera com o tempo “áreas de desertificação”.

Áreas de desertificação por causa da devastação da Caatinga agravam o problema da seca no Nordeste e no Norte de Minas Gerais

Bartolomeu Israel de Souza

Falta de informações públicas

Tudo piora, ainda segundo Bartolomeu Israel de Souza, quando se inicia o que ele chama de “perseguição sistemática” contra as instituições públicas que tratam do assunto (mais precisamente Ministério do Meio Ambiente e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e se realiza o que o professor chama de “cassação de informações públicas”.

Uma realidade que ganhou forma a partir de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (PL), e que foi só se agravando ao longo dos anos. “Alguns documentos que se baixava de graça no Ministério do Meio Ambiente, hoje não estão mais acessíveis. Tem que se fazer uma solicitação formal que nem sempre é acatada. Toda uma bibliografia que deixou de ser consultada pelos pesquisadores”, indigna-se.

O g1 solicitou resposta ao Ministério do Meio Ambiente e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e aguarda retorno.

Nos últimos anos, assim, muito do que ainda sobrou da Caatinga foi degradada, agravando o problema. “A Caatinga também foi muito afetada nessa política atual. Foi o terceiro bioma mais atingido por queimadas em 2020", exemplifica.

Mapeamento dos incêndios em área de Caatinga nos últimos 25 anos

MapBiomas Brasil

Os dados são do MapBiomas Brasil, uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia que desde 2019 vêm catalogando dados ambientais antigos e novos. O objetivo é justamente preencher a lacuna deixada pelo Governo Federal, quando esse passou a boicotar as informações.

“São dados confiáveis da maior importância e coletados a partir de imagens de satélites”, finaliza Bartolomeu.

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