Amizade de ouro: uma história contada com medalhas e troféus

Por Vale do Piancó -PB em 06/04/2023 às 05:36:50

Afonso Ventania - Bikerrepórter -
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Uma das carreiras mais vitoriosas do ciclismo brasileiro quase vai parar no lixo. Sem espaço para armazenar dezenas de troféus e centenas de medalhas acumuladas em quase duas décadas no esporte, o ciclista Rodrigo de Mello Brito, o Morcegão, só tinha uma opção: jogar todos os seus títulos na lixeira.

Seria um triste final para medalhas importantes como a que recebeu em 2002, nas Olimpíadas de Cuba, organizadas pelo próprio Fidel Castro. Outro importante reconhecimento que seria reciclado é a medalha de honra ao mérito entregue pelo presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em cerimônia no Palácio do Planalto, em 2003, para os atletas que participaram dos Jogos Panamericanos de Santo Domingo, na República Dominicana, naquele mesmo ano.

Graças à intervenção de um grupo de companheiros do pedal, no entanto, todo o acervo foi salvo e agora está seguro em um galpão em Vicente Pires. Eles sabiam que aquelas conquistas não representavam apenas o esforço individual do colega em intermináveis e desgastantes horas de treinamento. Faziam parte também da história do ciclismo brasileiro. “Muitos não sabem a dimensão do alcance da carreira do Rodrigo no ciclismo. Por isso, decidi expor as conquistas dele e compartilhar com todo mundo”, afirma o empresário e amigo Jefferson Fernandes. Foi dele a ideia de recolher todo o material e guardá-lo em seu estabelecimento.

Os amigos ainda fizeram uma bela homenagem ao multicampeão na última terça-feira (4/4). Catalogaram todo o material e construíram uma pequena galeria para expor os troféus e medalhas. Eles se reuniram em segredo e organizaram uma festa surpresa para inaugurar o espaço.

Acostumado com a pressão por resultados no esporte de alto rendimento e a reagir com a maior agilidade possível, o ex-ciclista profissional ficou totalmente sem reação diante da platéia de amigos. Afinal, ele achava que tudo aquilo já havia sido reciclado em algum aterro sanitário.

O drama de Morcegão começou quando a mãe dele, a dona Maria Celeste de Mello, vendeu a casa onde vivia, no Lago Norte. Todas as peças que lembravam os títulos do filho ficavam expostas em um dos cômodos desde que ele casou e mudou para um apartamento.

Em busca de um lar com dimensões menores para descansar depois de criar os três filhos, dona Celeste, decidiu vender o imóvel e comunicou Rodrigo. Ele pensou onde poderia guardar tudo aquilo, mas não encontrou nenhuma solução. Sem opção, pediu emprestada a kombi da loja onde trabalha e foi recolher as lembranças daquela carreira muito bem sucedida e que durou até 2010, quando se aposentou das competições oficiais.

Ao chegar na loja com o carro lotado ouviu do dono, Abdul Gazal, que, infelizmente, não teria onde armazenar aqueles inúmeros objetos. Afinal, era muita coisa. Por sorte, não apenas o proprietário da loja, mas outros amigos que ali estavam decidiram, em segredo, mantê-los.

Morcegão se mostrou bastante desapegado e, resignado, comentou que o mais importante eram as lembranças de todos os títulos que conquistou em sua trajetória.

Homenagem

Rodrigo de Mello Brito, o Morcegão, venceu todas as provas mais importantes do calendário nacional na categoria elite. E algumas das maiores da América Latina. Era difícil vencê-lo no sprint quando ele dava os seus famosos rasantes e superava seus adversários nos metros finais das competições.

Ganhou pelo menos 10 campeonatos brasileiros nas modalidades de estrada e pista, participou dos Jogos Panamericanos de Santo Domingo (2003) e do Rio de Janeiro (2007), foi vice-campeão sulamericano de pista na Argentina, campeão do Meeting Internacional do Chile e tricampeão da Copa da República.

Se não tivesse nascido no país do futebol e sim, em um país com tradição no ciclismo, como a França ou a Bélgica, Morcegão seria milionário e viveria sua aposentadoria confortavelmente sem precisar trabalhar.

Atualmente ele trabalha em uma grande loja de bicicletas e em uma das maiores assessorias de ciclismo no DF. É referência em mecânica e em bike fit (técnica de ajustes na bicicleta). Casado e pai de um adolescente, Morcegão foi recebido com festa pelos amigos na terça-feira. Participou de um bate-papo em que contou vários bastidores de algumas provas importantes, falou sobre perseverança e da importância do apoio da família em suas conquistas.

“Tudo isso pertence não só ao Rodrigo, mas ao Brasil. Ele foi muito importante para o nosso esporte”, celebra a bicampeã brasiliense master de ciclismo e responsável por catalogar todo o acervo do amigo, Ana Luíza Ruchinski.

Mas, acima de tudo, Rodrigo ensinou a todos os presentes uma lição de humildade. Mesmo tendo um dos palmares mais vitoriosos do ciclismo brasileiro, Morcegão atende todo mundo e sempre está disposto a pedalar e a dar dicas sobre posicionamento na bike, no pelotão e dividir suas experiências de campeão.

“Difícil destacar o título mais importante. Cada troféu e medalha tem a sua história. O verdadeiro aprendizado acontece durante o processo para se chegar no pódio. Demora, mas vale a pena”, declarou, Rodrigo, durante o encontro, ao ser questionado sobre qual seria a sua maior conquista.

Ele disse ainda que faltou apenas uma medalha, a de participação nas Olimpíadas. Segundo ele, a melhor chance que teve de representar o Brasil, foi nos Jogos Olímpicos da China, em 2008. Líder do ranking brasileiro na época, Morcegão também figurava em 5 lugar no ranking das Américas.

Faminto de títulos, conquistou muitas provas e acumulou pontos para a seleção brasileira. No entanto, por causa do critério político adotado pela Confederação Brasileira de Ciclismo, muito subjetivo, um ciclista que competia no exterior foi o escolhido. “Não lamento tanto, porque o atleta selecionado foi muito bem na competição. Mas ficou essa lacuna na minha carreira”, concluiu.

A ditadura do esporte

Foi em 2002 que Rodrigo Morcegão viveu uma das suas principais experiências no ciclismo. Convocado pela seleção brasileira, que representou por cerca de 10 anos, para participar da primeira edição da Olimpíada Nacional do Esporte Cubano, ele teve um encontro inusitado com o ditador Fidel Castro.

Logo na abertura dos Jogos, ele e alguns colegas do ciclismo estavam curtindo o evento na Praça da Revolução quando, subitamente, para um carro que, segundo Rodrigo, parecia ter sido montado com peças de vários outros modelos. De dentro, ele vê bem de perto, a cerca de um metro, um homenzarrão de barba saindo rodeado por seguranças. Era o próprio Fidel Castro.

“Fiquei paralisado por alguns instantes vendo ele passar na minha frente. Ele nos cumprimentou e saiu para fazer o discurso de abertura. Também fiquei surpreso com a multidão ovacionando o Fidel e querendo tocá-lo como se fosse um superstar”, diz.

Sem se intimidar com os ares da ditadura em Havana, Morcegão foi vice-campeão da prova de resistência que foi vencida por um cubano. “Foi por muito pouco. Se tivesse mais alguns poucos metros eu teria levado o ouro”.

Ciclistas de vários países também participaram, segundo ele: colombianos, venezuelanos, argentinos, equatorianos e até norte-americanos.

O final dessa história não poderia ser mais feliz. Rodrigo de Mello Brito manteve seus troféus e medalhas graças à empatia de amigos que reconheceram toda a sua dedicação e todo o seu talento. E ganhou o ciclismo brasileiro que preservou a memória da modalidade. Como escreveu Mario Quintana: “a amizade é um amor que nunca morre”.

Fonte: jornaldebrasilia.com.br

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