Janja amplia protagonismo e incomoda oposição e aliados

Na campanha presidencial, já havia sinais de que Rosângela da Silva, a Janja, pouco ou quase nada tinha a ver com o estereótipo tradicionalmente reservado às primeiras-damas.

Por Vale do Piancó -PB em 07/10/2023 às 13:09:00
EM BRANCO - Temer e Marcela: primeira-dama ficou marcada pela absoluta discrição (Beto Barata/PR)

Exemplo disso ocorreu em fevereiro, quando uma foto dela posicionada de maneira insólita entre Lula e o presidente Joe Biden, durante uma viagem aos Estados Unidos, viralizou e ganhou memes nas redes sociais. No mês passado, ao desembarcar na Índia, ela publicou um vídeo, sorridente, no qual dizia: "Me segura, que eu já vou sair dançando". O gracejo, feito no momento em que as famílias gaúchas sofriam com a enchentes, pegou mal. Dias depois, nova controvérsia, dessa vez nos Estados Unidos, onde ela foi a única primeira-dama a participar das reuniões do G20, ocorridas a portas fechadas e da qual participam tradicionalmente apenas chefes de Estado. "Janja, pela personalidade, momento histórico e disposição da oposição para confrontá-la, com seu comportamento, joga luz sobre o papel das mulheres que estão na arena pública", destaca a advogada mestre em direito do Estado Maís Moreno.

O debate sobre a atuação das primeiras-damas não acontece apenas no Brasil. A pesquisadora analisou o papel das mulheres de chefes de Estado em quinze países e concluiu que, em geral, não existem regras claras, o que dá margem a muita confusão. No Chile, o esquerdista Gabriel Boric, ao tomar posse, centralizou as políticas públicas em uma pasta criada e batizada com o nome da esposa. A oposição, evidentemente, protestou. A repercussão obrigou o presidente a renomear o gabinete e, na sequência, a própria primeira-dama decidiu renunciar ao cargo. Anos atrás, o presidente da França, Emmanuel Macron, criou o "Estatuto da Esposa do Chefe de Estado", mas também foi obrigado a recuar depois de reações negativas. Nos Estados Unidos, as funções da primeira-dama estão regulamentadas desde 1978. "É um desafio global e dos tempos modernos traçar essas balizas. O Brasil poderia assumir esse protagonismo", diz Moreno. Sem qualquer delimitação, Janja tem gabinete no 3º andar Palácio do Planalto, vizinho ao do presidente, uma equipe de assessores, seguranças à sua disposição e uma agenda cheia.

Não por acaso, recentemente, candidatos à futura vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) buscaram se aproximar da primeira-dama na expectativa de que ela, defensora da indicação de uma juíza negra ao STF, interferisse a favor. "Ela pode não ter a palavra final, mas tem o poder de viabilizar um nome", diz um dos postulantes ao cargo. A primeira-dama tem muita influência, é verdade, mas não vence todas as batalhas. A defesa de uma maior participação feminina no governo, ao menos por enquanto, não tem produzido os resultados que ela gostaria. Ainda na campanha, Janja disse que, caso Lula vencesse a eleição, se dedicaria a trabalhar pela igualdade de direitos entre homens e mulheres e se inspirava em Evita Perón, a icônica ex-primeira-dama argentina, alvo até hoje de devoção. No governo, Janja perdeu a briga para manter Ana Moser à frente do Ministério do Esporte, substituída por André Fufuca, representante do Centrão. As presidências da Caixa Econômica e do Banco do Brasil, ambas ocupadas por mulheres, também estão na mira dos partidos que integram a base aliada do governo, o que tem gerado certas especulações sobre a verdadeira dimensão do poder da primeira-dama.

 

INICIAÇÃO - Michelle e Bolsonaro: mergulho na política após fim do mandato
INICIAÇÃO - Michelle e Bolsonaro: mergulho na política após fim do mandato (Carolina Antunes/PR)

Entre interlocutores da velha guarda do PT há quem veja estratégia e método na decisão de Lula em alimentar o empoderamento da primeira-dama e, ao mesmo tempo, emitir sinais na direção contrária. A tática estaria ligada às eleições de 2026. Ao deixar prosperar boatos de que Janja está sendo testada como alternativa à sua sucessão, o presidente impediria que ministros com ambições eleitorais maiores tentem lhe fazer sombra nos próximos três anos. "Lula sabe que há potenciais candidatos no governo, sabe também que fragiliza essas pessoas ao dar espaço a Janja", diz um petista com acesso ao Planalto. Os aliados dão como certo que Lula pretende disputar a reeleição, apesar da idade avançada.

Na semana passada, o presidente se submeteu a uma cirurgia para a colocação de uma prótese no fêmur. Por orientação médica, está em repouso absoluto no Alvorada e não recebe ninguém. Por isso, ministros, parlamentares e correligionários que precisam falar com o petista passam antes pelo crivo da pri­meira-­dama. Com raríssimas exceções, todos tiveram que antecipar o assun­to que seria tratado antes de ter a ligação transferida. Em outros tempos, esse protocolo seria recebido com absoluta naturalidade. Afinal, o presidente tem 77 anos. O problema é que nem todo mundo entendeu assim, principalmente aqueles que não conseguiram falar com Lula. Culpam Janja, é claro — mas ninguém tem coragem de dizer isso a ela. Melhor não provocar.

 

 

Veja

Fonte: Chico Soares

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