A Saga dos Nordestinos

Para alguém que se diga escritor e tenha nascido na região Nordeste, é impossível ficar calado diante da estupidez dos ignorantes, dos preconceituosos que elegem essa região sofrida como bode expiatório para seu fascismo incubado.

Por Vale do Piancó -PB em 25/01/2024 às 05:17:39

Para alguém que se diga escritor e tenha nascido na região Nordeste, é impossível ficar calado diante da estupidez dos ignorantes, dos preconceituosos que elegem essa região sofrida como bode expiatório para seu fascismo incubado. Nasci no Ceará, um dos estados símbolo do que até pouquíssimo tempo era chamado de "terra dos flagelados da Seca". Passei toda minha infância e juventude ouvindo essa palavra: seca. Seca de 1877, 1915, 1933, 1958, 1983 para falar apenas das mais cruéis, pois vários períodos de estiagem ocorreram entre esses anos. Não havia sequer para beber. Tampouco água. E o nordestino emigrava em busca de trabalho, de vida. A história da Região Nordeste do Brasil, à exceção do Maranhão, não pode ser contada sem que se fale no sofrimento de seu povo castigado pela falta d'água e aridez do clima. Na seca de 1877, no Ceará, a mais cruel de todas, a quantidade de mortos superou o número de vivos, pois não havia gente para enterrar os corpos que se encontravam nas ruas. Mortos de fome e sede. A situação foi tão séria que o Imperador Dom Pedro II declarou: "Empenhe-se o ultimo brilhante de minha coroa, mas que não morra um cearense de fome". A seca de 1915 gerou um romance, O Quinze, de Rachel de Queiroz, e toda a literatura daquele período foi voltada para a realidade nordestina. A Bagaceira de José Américo de Almeida, Menino de Engenho, de José Lins do Rego, Vidas Secas, de Graciliano Ramos e as obras de Gilberto Freyre e muitos outros. Conscientes do sofrimento da região, na década de 1950, os governos resolveram atacar o problema, e foi criado o Fundo Constitucional do Nordeste e, com ele, nasceu uma série de órgãos de fomento. O economista paraibano Celso Furtado foi "o cabeça" dessa nova política. Foram criados o Banco do Nordeste do Brasil, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e o Departamento Nacional de Obras contra Secas (DNOCS. Existia como DNOFS, tendo sido reformulado). E identificou-se o Polígono das Secas, as partes da região que eram mais atingidas pelo fenômeno. Um pedaço de Minas Gerais foi incluído no programa. Assim, foi dado um novo impulso à região, que teve uma leve melhora em seus indicadores sociais. Infelizmente, no entanto, em pouco tempo, esses órgãos passaram a ser usados pelos caciques políticos, os famosos coronéis, e se transformaram em antros de corrupção, sendo usados por uma casta para enriquecer e se perpetuar no poder. As verbas eram emprestadas a empresários inescrupulosos que criavam empresas fictícias ou de fachada para desviar dinheiro público. Ou seja, o dinheiro ficou nas mãos dos mesmos, os necessitados recebiam apenas esmolas, formando um círculo vicioso. Mesmo toda essa dificuldade não impediu que a Região Nordeste desse uma gigantesca e notável contribuição a cultura brasileira em todas as áreas do conhecimento. Gerações e gerações de homens geniais ajudaram a moldar o caráter da nação: Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, José de Alencar, Clóvis Beviláqua, Gilberto Freyre, Jorge Amado, Celso Furtado, Graciliano Ramos, João Gilberto e muitos outros. Juristas, intelectuais, romancistas, estadistas que enriqueceram o país. O Brasil seria muito mais pobre culturalmente sem a presença desses gigantes. Com a aplicação dos programas de proteção social, de maciços investimentos, a ênfase no processo de industrialização, a partir do Governo Lula, em 2002, a realidade da Região Nordeste melhorou muito. A prova disso é que hoje a economia nordestina tem índices de crescimento bem maiores do que o resto do país. Esse crescimento estancou o processo de migração dos nordestinos para o sul e fez com que muitos deles, inclusive de outra geração, voltassem para suas terras onde havia melhores condições de vida do que no "sul maravilha". Com o avanço da ciência e novas tecnologias o Nordeste vive um novo tempo, muito embora ainda haja muito a ser feito. Aquela região Nordeste das músicas de Luiz Gonzaga, que clamavam "Meu Deus, Meu Deus, assim fala o pobre do seco nordeste, com medo da peste, da fome feroz..." pertencem ao passado. Digo tudo isso porque, hoje, o Nordeste, segundo o Índice Nacional de Educação Básica (Ideb), reúne 97 das 100 melhores escolas de anos iniciais do Brasil. Outra coisa: os cearenses são maioria nas seleções do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Isso precisa ser dito! O Nordeste merece respeito!

Fonte: jornaldebrasilia.com.br

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